20 anos do Jornal Estado de Direito - homenagem a Lenio Streck
Dificilmente escrevo neste espaço em primeira pessoa. Dessa vez, no entanto, compartilho minha experiência representando o Professor Lenio Streck no jantar comemorativo dos 20 anos do Jornal Estado de Direito, em que ele foi homenageado.
A festividade ocorreu em 6/11/2025, em Porto Alegre, sede do jornal, no Salão Leopoldina, do Clube Leopoldina Juvenil, e foi promovida de forma comprometida e dedicada pela fundadora, Dra. Carmela Grüne. Muito além do clima de festa - que contou com a cozinha excelente do Chef Solano e com a música impecável da Orquestra Villa Lobos, dentre outras manifestações artísticas - , a solenidade foi marcada por importante ato político de assinatura da carta que simboliza o compromisso de todos os signatários com a defesa da democracia, da Constituição e dos princípios inerentes ao Estado de Direito:
“O acontecimento lembrado — ensinou Walter Benjamin — é sem limites: uma chave que abre as portas do que veio antes e do que ainda está por vir. Recordar é mais do que preservar a memória: é manter viva a chama do que resistiu, do que construiu e do que ainda inspira.
Há vinte anos, o Jornal Estado de Direito expressa essa travessia coletiva. Tornou-se um farol de informação, análise crítica e mobilização cidadã, comprometido com a construção de um país mais justo e consciente de seus próprios caminhos.
A luta de Abdias Nascimento nos recorda que igualdade formal não basta. A verdadeira transformação social exige o enfrentamento das desigualdades estruturais que sustentam o racismo, o sexismo, a homofobia e todas as formas de opressão. Sua voz ecoa a lembrança de que o direito à vida plena só se realiza quando há acesso equitativo à educação, à cultura, ao trabalho, à saúde e à representatividade.
A trajetória de Myrthes Gomes de Campos nos revela que o Direito se renova quando há inclusão das mulheres como vozes legítimas na construção da justiça e da vida pública, rompendo as barreiras dos privilégios históricos em direção à igualdade real.
Ao longo de duas décadas, o Jornal Estado de Direito consolidou-se como espaço de diálogo transdisciplinar, de escuta às vozes silenciadas e de resistência ética diante da desinformação, do autoritarismo e da indiferença social. Nasceu do ideal de aproximar o Direito da vida cotidiana e tornou-se um lugar de reflexão e compromisso com a dignidade humana.
Essa Carta é um compromisso intergeracional: de seguir promovendo, por meio de publicações, eventos, iniciativas voluntárias e pesquisas, práticas cívicas inspiradas nos pilares que sustentam o Estado de Direito:
I – a soberania, como expressão da autonomia e da responsabilidade coletiva;
II – a cidadania, como prática de participação e pertencimento;
III – a dignidade da pessoa humana, como sentido à ordem jurídica e social;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, harmônicos na busca por uma sociedade mais justa;
V – o pluralismo político, que se realiza pela inclusão e pela diversidade indispensáveis à liberdade.
E, em consonância com o artigo 193 da Constituição Federal, reafirmamos que “a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”
A verdadeira sustentabilidade floresce de uma economia comprometida com a consciência da finitude dos recursos naturais e, como lembra Maria da Conceição Tavares, com a justiça social — de modo a combater a miséria, promover a solidariedade e fortalecer a fraternidade, pilares que sustentam o caminho coletivo rumo a um futuro comum.
O Jornal Estado de Direito não pertence a uma geração apenas, mas a todas aquelas que acreditam na força transformadora da palavra, na cultura como forma de resistência e no Direito como instrumento de emancipação.
Cada evento, cada publicação e cada gesto coletivo representam a continuidade de um pacto de educação, memória e compromisso público.
As pessoas que assinam essa Carta reafirmam seu compromisso em dar continuidade aos princípios que sustentaram os primeiros vinte anos dessa trajetória — e em renovar, com coragem e esperança, o que ainda está por vir.
Recordar é um ato de justiça — e a justiça, quando vivida e lembrada coletivamente, torna-se eterna.
Porto Alegre, 06 de novembro de 2025.”
O jornal é uma criação coletiva, fomentado pelo trabalho de articuladores voluntários com a intenção de difundir o conhecimento jurídico como ferramenta de fortalecimento da cidadania ativa e promoção de direitos humanos, por meio do alinhamento da teoria desenvolvida por juristas, filósofos, artistas, educadores, e sociólogos, em perspectiva inter e transdisciplinar, com a prática jurídica.
O Professor Lenio Streck, que colaborava com seus textos desde as versões impressas do jornal, foi um dos homenageados, dentre outras personalidades e entidades. Particularmente, recebi com honra e orgulho a placa comemorativa, que representa o compromisso e a altivez da comunidade jurídica na defesa dos princípios democráticos, características que marcam, também nossa atuação no Studio STR.
Tive, nesta noite, a confirmação de que não estamos sozinhos na luta pelas garantias e liberdades constitucionais. E de que essa luta é coletiva, plural e permanente.